Um novo conceito no tratamento da dor
A dor é uma das principais causas de incapacidade no mundo. A revista lancet publica desde 1990 um ranking onde reúne dentre 328 doenças, as que causam mais anos vividos com incapacidade, e a dor lombar está no topo da lista. Esse dado é interessante pois foram analisados entre 1990 á 2016. E apesar dos esforços em desenvolvimento de pesquisa na área, como exames de alta sensibilidade (ressonância magnética e Tomografia), técnicas cirúrgicas avançadas e etc. a incapacidade provocada pela dor lombar continua crescendo. Isso nos obriga a refletir sobre a maneira em como estamos lidando com o tratamento da dor.
O mesmo ocorre em outras condições como dor no pescoço, joelho, ombro e etc.
O que é dor:
A definição de dor segundo a iasp (international association for the study of pain):
Experiência sensitiva e emocional desagradável associada ou relacionada a lesão real ou potencial dos tecidos.
Devido a sua subjetividade, McCaffery e beebe (1989) definiram que a dor:
“é o que o indivíduo que a sente diz ser, e existe quando a pessoa que a sente diz existir”.
Tipos de dor:
Dor Aguda:
Resposta normal do organismo á lesões, como cortes, infecção e outras injúrias teciduais. Geralmente de resolução rápida, melhorando em poucas semanas. O estímulo doloroso vai permanecer desde o momento da lesão até a cicatrização.
Dor crônica:
Dor superior à 3-6 meses de duração, podendo durar por anos. Após esse tempo, todos os tecidos corporais já tiveram tempo para cicatrizar, então uma dor que ultrapasse esse período está mais relacionada a sensibilidade do sistema nervoso do que a lesão que inicialmente provocava dor. Isso nós chamamos de dor persistente ou crônica.
Evolução histórica da dor
A dor sempre foi uma das maiores preocupações da humanidade. Registros pré-históricos mostram que desde o início da civilização o homem tenta compreender as razões e mecanismos da dor, e desenvolver procedimentos de tratamento. A dor era explicada por mecanismos sobrenaturais, como flechas oriundas de espíritos penetrando o corpo.
Os egípcios imaginavam que as dores deviam-se a ação dos deuses ou dos espíritos dos mortos.
Os astecas e os maias apoiavam suas mãos em formigueiros para para aliviar a dor artrítica. Extrato de papoula foi utilizado pelos sumérios cerca de 4000 anos a.C. e posteriormente os Romanos utilizaram emplastro de sálvia em feridas e inflamações superficiais.
A eletroterapia era utilizada através de choques gerado pelo peixe torpedo do rio Nilo para o tratamento de neuralgias e cefaléia.
Conceito atual de dor
Como dito acima, dor é um fenômeno normal e essencial à vida, ela acontece quando o sistema de alarme avisa ao cérebro de uma potencial ou real ameaça no nosso organismo. Ela nos faz se comportar diferente, e de alguma maneira permite ao organismo se recuperar.
Quando recebemos um estímulo potencialmente nocivo, como por exemplo ao pisar em um objeto pontiagudo, células especializadas chamadas nociceptores tem a capacidade de enviar essa informação até a medula espinhal, se o estímulo for relevante, a medula espinhal libera um potencial de ação enviando a mensagem até o cérebro. Lembrando que a dor ainda não existe, essa mensagem apenas informa perigo! Pense nessa informação como um código, que apenas o cérebro tem a capacidade de decifrar. Hoje sabemos que 100% da dor é produzida no cérebro.
Mesmo que tenha problemas em suas articulações, músculos ou ligamentos, só haverá dor se o seu cérebro entender que você está em perigo.
O contrário também é verdade. Mesmo que não exista problema algum em sua coluna, joelhos ou nervos, você poderá experimentar dor se o seu cérebro entender que você está em perigo. Entender isso é essencial no processo de recuperação nos pacientes com dor crônica.
Essa afirmação pode até parecer estranha em um primeiro momento, mas o seu entendimento é muito fácil. Temos exemplos disso acontecendo o tempo todo ao nosso redor. Quantas vezes só percebemos que o nosso pé está ferido após o fim de uma partida de futebol, ao retirarmos a chuteira e vermos o sangue.
Temos inúmeras histórias contadas por médicos de emergência onde chegam pacientes com lesões gravíssimas como um vergalhão atravessando uma coxa, e no entanto ele está calmo conversando sem apresentar praticamente dor nenhuma.
Um outro caso famoso aconteceu com um operário que teve a infelicidade de pisar em um prego que atravessou o seu pé. Ao chegar urrando de dor no hospital, foi prontamente atendido, onde a sua bota foi cuidadosamente cortada para iniciar o procedimento. Nesse momento, para o espanto de todos o prego tinha passado entre os seus dedos sem ter provocado nenhum arranhão. Mas ao olhar para o pé e ver um prego atravessando de ponta a ponta, o cérebro entendeu que o corpo estava em perigo provocando percepção de dor como se realmente o prego tivesse furado o seu pé.
Crenças comuns nos pacientes com dor crônica
- “Estou com dor, portanto deve haver algo ruim acontecendo no meu corpo”.
- “Não farei nada até a minha dor melhorar”.
- “Tenho evitado tudo que provoque impacto, dessa forma estarei evitando que a minha coluna desgaste mais”.
- “Devo ter algo muito grave, porque mesmo fazendo todos os exames ninguém consegue descobrir o que tenho”.
- “Estou com tanto medo de machucar a minha coluna que não estou fazendo nada”.
Os pacientes com dor crônica usualmente descrevem uma história muito parecida. Passam por inúmeros especialistas, realizam todos os exames de imagem que existem, muitas vezes até repetindo o mesmo exame a cada médico que passa. E apesar de toda a determinação e vontade de melhorar, os tratamentos realizados parecem não ter o efeito desejado. Como dito anteriormente, apesar de todo o avanço tecnológico da medicina moderna, parece que o modelo atual de tratamento da dor não está dando certo.
O que fica claro é que existe uma enorme dificuldade dos profissionais de saúde em geral, em lidar com esse tipo de paciente. O modelo BIOMÉDICO no qual a dor é vista como consequência direta de problemas observados em exames de imagem como por exemplo: artrose, hérnia de disco e etc, não é suficiente para explicar o fenômeno da dor em toda a sua complexidade. Hoje sabemos que a experiência dolorosa é um fenômeno multifatorial, onde fatores psicossociais têm enorme importância neste processo. Estudos científicos demonstraram que ansiedade e depressão são mais relevantes no processo de dor lombar crônica do que alterações degenerativas nas vértebras.
A dor depende do contexto
Um entorse no tornozelo pode ser muito mais doloroso em um jogador de futebol do que em um advogado. isto ocorre porque o contexto torna o risco muito maior no jogador de futebol. Uma lesão no tornozelo pode significar um risco enorme para a sua carreira.
As tensões e dores geradas no ambiente de trabalho, podem ser potencializadas por diversos motivos, como por exemplo: a presença do chefe, prazo curto para terminar um trabalho, insatisfação salarial e etc.
Tratamento da dor
Atualmente temos muito recursos no tratamento da dor aguda, como manipulações vertebrais, liberação miofascial e acupuntura. O objetivo neste caso será controlar a dor, otimizar o processo de cicatrização e facilitar o retorno o mais rápido possível do paciente para as suas atividades, tanto profissionais quanto recreativas.
No caso da dor crônica o desafio é bem maior, mas ainda sim é possível termos êxito no tratamento. O ponto de partida é a aceitação do paciente em identificar a condição. Para que isso ocorra o terapeuta deve educar o paciente em relação a fisiologia da dor. Esse conceito pode ser facilmente entendido por qualquer pessoa e não apenas por profissionais da área. O entendimento da fisiologia da dor torna o paciente mais capaz em lidar com ela, diminuindo as crenças negativas e reduzindo o valor de sua ameaça.
Nesses pacientes o tratamento deve ser multimodal. Diferentes técnicas devem ser combinadas para um melhor resultado. Os exercícios físicos são fundamentais, sendo introduzidos de forma progressiva no consultório e prescritos para a sua execução em casa.
Considerações finais
- Dor é um fenômeno normal e essencial à vida.
- 100 % da dor é produzida pelo cérebro.
- Dor sentida em até 3 meses é classificada como dor aguda e geralmente está relacionada à dano tecidual, como um entorse de tornozelo por exemplo.
- Dor sentida além de 3-6 meses é classificada como dor crônica. Nesse tempo, a maioria dos tecidos do corpo já tiveram tempo de cicatrizar. Então, provavelmente, essa dor está mais relacionada a sensibilidade do sistema nervoso do que ao tecido que inicialmente provocou os sintomas.
- O entendimento da fisiologia da dor é o ponto de partida no tratamento da dor crônica. Pois diminui o valor de sua ameaça, fazendo com que o paciente mude o comportamento diante do problema. E dessa maneira, permitindo que o organismo retorne ao processo natural de recuperação.